Quando Satoshi Nakamoto publicou um paper, em outubro de 2008, descrevendo a sua criação — um sistema de dinheiro eletrônico peer-to-peer —, poucos lhe deram atenção. Nem mesmo os especialistas em criptografia acreditavam que o projeto tinha alguma chance de sucesso.
A ideia de um dinheiro digital não era novidade; alguns já haviam tentado desenvolver uma moeda para a era da internet, mas nenhuma iniciativa tinha conseguido decolar.
Há pouco mais de seis anos, quando a rede começou a ser construída por um punhado de programadores voluntários, ninguém poderia imaginar que hoje o Bitcoin alcançaria o status de maior projeto de computação distribuída do planeta, com força computacional que supera em mais de 200 vezes a capacidade dos 500 supercomputadores mundiais somados.
Tampouco poderíamos prever que o Massachusetts Institute of Technology (MIT) formaria um departamento de pesquisa dedicado exclusivamente às criptomoedas, reconhecendo tacitamente a tecnologia inovadora do Bitcoin como um novo e legítimo campo de conhecimento científico.
Em 2009, uma unidade da moeda digital não tinha nem sequer um preço. À época, seria um devaneio completo esperar que o Banco da Inglaterra julgasse relevantes — se não transformadoras — as implicações do protocolo do Bitcoin sobre a moeda estatal e o sistema bancário tradicional. Considerar, ademais, a hipótese de um banco central emitir sua própria moeda digital seria pura fantasia.
O que antes poderia parecer ilusão de um ambicioso projeto de computação hoje é realidade. Atualmente, a moeda digital inspira soluções criativas para a débâcle econômica da Grécia. Embora o Bitcoin não seja uma solução aos apuros fiscais do governo do país, ele está servindo como refúgio genuíno para o povo grego, impossibilitado de transferir dinheiro ao exterior e refém de um possível confisco ou retorno ao antigo dracma.
Hoje, empresas do calibre de Dell e Microsoft aceitam bitcoins como forma de pagamento. Consultorias como a Deloitte testam a utilização do blockchain — o grande “livro-contábil” do Bitcoin — para processos de auditoria. O governo de Honduras estuda um projeto-piloto para registrar a titularidade de terras no blockchain.
Atualmente, a Nasdaq está experimentando a infraestrutura da tecnologia para registro de transações e de propriedade de valores mobiliários. A New York Stock Exchange, por sua vez, investe em uma das maiores processadoras de pagamento de Bitcoin. Já a SWIFT ofereceu, recentemente, uma bolsa de 15 mil euros ao melhor trabalho de pesquisa sobre o impacto e o potencial da tecnologia do blockchain para as transações de ativos.
A cada semana, novas empresas buscam explorar as possibilidades do Bitcoin, endossando e legitimando cada vez mais essa grande inovação tecnológica.
Mas o que é essa tecnologia, afinal de contas? O Bitcoin é uma invenção revolucionária da ciência da computação. Na sua essência, contudo, ele nada mais é do que um protocolo, um conjunto de regras pelas quais se comunicam computadores conectados à rede peer-to-peer do sistema. Não há um servidor central monitorando o cumprimento das normas. Primeiro, porque elas incentivam o comportamento honesto; segundo, porque todos são monitorados por todos. A confiança e a segurança são alcançadas de forma descentralizada, graças ao uso engenhoso da criptografia moderna, e sem que seja necessário conhecer a identidade dos participantes.
O feito extraordinário — e sem precedentes na era da computação — é que esse protocolo possibilitou recriar a escassez do mundo físico no mundo digital. Um bitcoin é um bem digital que não pode ser reproduzido ou falsificado; sua titularidade de propriedade está devidamente registrada no blockchain.
A tecnologia inovadora permitiu recriar as características do dinheiro físico no mundo digital. Mas com uma particularidade notável, porque o Bitcoin é simultaneamente uma moeda digital e um sistema de pagamentos. Isso nunca ocorreu na história financeira da humanidade. É certo que não é reconhecido nem emitido por nenhum estado. Moeda estrangeira, por definição, jamais será. Mas tem funcionado como dinheiro para muitas pessoas, algo inexplicável para a maioria dos economistas, cujas teorias não admitem uma moeda produzida livremente pelo mercado.
Tem oferta finita e não é passivo de ninguém, análogo aos metais preciosos. Podemos classificá-lo como uma commodity, mas uma de natureza digital. A primeira commodity digital da história. Um ativo ao portador que pode ser custodiado e transferido sem depender de nenhum intermediário. Um ativo realmente inédito.
Mas o dinheiro eletrônico é apenas a parte mais visível, é a aplicação óbvia, assim como foi o e-mail para a internet. Porque, no final de tudo, o Bitcoin é meramente uma tecnologia de registros de títulos de propriedade que conta com um livro-contábil praticamente imutável — uma vez efetuado o registro, é computacionalmente impraticável revertê-lo.
Essa invenção tem valor, tem utilidade, e nada impede que o blockchain seja usado para o registro de outros ativos que não bitcoins. A verdade é que a tecnologia é muito mais do que apenas um dinheiro para a internet. Potencialmente, é a internet do dinheiro. É a internet aplicada às finanças.
De fato, não estamos diante de um simples aplicativo para smartphone. Também não se trata de uma bolha das tulipas digitais. Na verdade, o Bitcoin é possivelmente a invenção mais importante desde a internet, e as implicações dessa tecnologia não são de todo previsíveis ou imagináveis. Mas não podemos desmerecê-lo, pois ele tem o potencial de causar disrupção em diversas indústrias.
O Bitcoin é uma evolução da própria internet. É também uma evolução do dinheiro como o conhecemos. E, assim como a internet transformou a troca de informações no mundo todo, o invento de Satoshi Nakamoto tem o potencial de transformar a troca de valor.
Fonte: Mises Brasil