Como a Agenda Ambientalista e a Imposição do ESG Causaram uma Crise Energética Global

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O artigo a seguir foi originalmente publicado em outubro de 2021. À época, bem antes de qualquer ameaça da Rússia à Ucrânia, a situação energética global já era assustadora. Hoje, tornou-se desoladora.

Os gráficos foram atualizados para mostrar a situação atual. Já o texto original, com exceção dos trechos que descrevem os gráficosnão precisou ser atualizado em nada. Infelizmente.

Com efeito, passagens do texto que relatam as chantagens feitas por Moscou à Europa ainda em 2021 foram mantidas intactas exatamente para mostrar quão bizarro foi o masoquismo energético da Europa. No fim, os ambientalistas se revelaram os melhores aliados de Vladimir Putin.

Eletricidade racionada na China. Desabastecimento de carvão na Índia. Preço da eletricidade disparando em toda a Europa. Uma busca desesperada por postos que ainda têm gasolina no Reino Unido. Apagões e explosões no Líbano.

A revista The Economistem uma ótima reportagem, relatou os eventos acima e mostra que os sintomas de uma profunda disrupção nos mercados de energia são globais.

Segundo a reportagem, na Ásia, os apagões são diários, em vários países. E o inverno, que gera um aumento na demanda por energia, ainda está para chegar no hemisfério norte.

Alguns anos atrás, os produtores de combustíveis fósseis teriam respondido a estes sinais enviados pelo sistema de preços aumentando o investimento e a produção. Em 2014, com o barril de petróleo em torno de US$ 100, a petrolífera europeia Royal Dutch Shell fez um investimento de US$ 30 bilhões em projetos de exploração e produção de petróleo e gás. Em seguida, gastou US$ 70 bilhões para adquirir a BG Group, uma rival britânica, para se tornar a maior produtora mundial de gás natural liquefeito.

Mas não desta vez.

Seu investimento em exploração, no ano de 2021, caiu para irrisórios US$ 8 bilhões. Ainda em setembro, a petrolífera vendeu todos os seus ativos de xisto na Bacia do Permiano, no Texas, para uma rival americana, a ConocoPhillips, por US$ 9,5 bilhões.

A Shell também está se retirando da Nigéria, país em que ela estava desde 1936.

Mais ainda: avisou que irá reduzir sua produção de petróleo de 1 a 2% ao ano até 2030.

Mas, o que já era ruim, tornou-se péssimo após a invasão da Rússia à Ucrânia.

Os preços do petróleo — que chegaram a cair para US$ 20 em abril de 2020, no auge das incertezas quanto aos efeitos da Covid-19 — fecharam 2021 em US$ 75 e agora superaram os US$ 110, o valor mais alto desde 2010.

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Figura 1: evolução do barril de petróleo

Já o preços do gás natural na Europa, que já haviam triplicado em 2021, chegaram ao auge.

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Figura 2: evolução do preço do gás natural na Europa

A demanda por carvão, uma commodity que todos davam como morta, disparou. Seu preço mais do que sextuplicou desde o ano passado.

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Figura 3: evolução do preço da tonelada do carvão

Perguntado sobre o que a explosão nos preços significará em termos de investimento, o diretor de produção de óleo e gás da Shell respondeu francamente: “Da minha perspectiva, nada”.

O que houve?

Sinalização de virtude e suas consequências

Preços mais altos não levarão a mais investimentos por um motivo simples: o ativismo dos ambientalistas e a agenda ESG obrigaram as empresas a se afastarem dos combustíveis fosseis.

Ao longo da última década, ativistas climáticos foram bem sucedidos em pressionar governos, bancos e grandes corporações a reduzirem investimentos em empresas de petróleo e gás natural. No início, tais esforços pareciam estritamente simbólicos. Mas, nos últimos anos, esses ativistas foram exitosos e conseguiram retirar investimentos públicos e privados da exploração de petróleo e gás e redirecioná-los para energias renováveis.

O resultado está sendo a pior crise energética em 50 anos.

Sim, a redução de investimentos na exploração de petróleo e gás não é a única causa da crise energética atual. A recuperação pós-pandemia, guiada por uma maciça expansão monetária, gerou uma explosão na demanda. Está havendo uma escassez de vento (sério) na Europa, o que tornou inúteis as turbinas eólicas e aumentou a demanda por gás natural e carvão. E uma seca no Brasil obrigou o país a importar gás natural.

Mas a principal causa da atual escassez de energia é a redução de investimentos em petróleo e gás nos últimos cinco anos, guiada por preocupações climáticas.

“As considerações da agenda ESG [environmental, social, and governance — ambiental, social e governança] explicam a maior parte do declínio nos investimentos das petrolíferas nos últimos anos”, relata o The Financial Times, “bem como o êxodo dos investidores dos mercados de petróleo e gás natural”.

A Bloomberg concorda, e acrescenta que “o mercado está hoje obcecado com mudanças climáticas, o que levou a uma redução do apetite para se investir em combustíveis fosseis”.

Além do lobby ambientalista, organismos multilaterais e governos de países desenvolvidos têm forçado as empresas e os bancos a reduzirem financiamentos para exploração de petróleo e gás, e a implementarem uma transição rápida para o mundo verde. Tudo isso é falado abertamente.

Investimentos para a exploração de petróleo e gás caíram à metade entre 2011 e 2021, observa o Financial Times. As descobertas de novos campos de petróleo caíram para as mínimas históricas entre 2016 e 2020. E não por uma escassez de petróleo, mas sim por escassez de investimentos em exploração. Hoje, as petrolíferas estão gastando 25% menos do que precisam para manter a produção de petróleo constante.

Como resultado da pressão dos ativistas, governos e investidores passaram a punir petrolíferas e empresas de gás natural. Quando uma despesas empresas, a EOG Resources, anunciou, ainda em fevereiro, que tinha a intenção de expandir sua produção, o preço de suas ações caiu mais do que o de todas as outras empresas do S&P 500. Naturalmente, petrolíferas e empresas de gás americanas, desde então, se recusaram a aumentar sua produção, mesmo com o aumento dos preços destas commodities.

A ideia de responsabilidade social nos investimentos é antiga, mas a agenda ESG foi adotada ao longo da última década por empresas que fazem doações para universidades, bancos de investimento, como o BlackRock, governos, pela Agência Internacional de Energia, pela ONU e, agora, pelas próprias petrolíferas, incluindo-se Shell, Total e várias outras.

Em maio, um tribunal na Holanda ordenou que a Shell reduzisse suas emissões, uma sentença que tornou outras petrolíferas relutantes em investir em novas explorações de petróleo e gás.

Não é que os executivos das petrolíferas não soubessem que uma redução nos investimentos levaria aos atuais choques de preços. É que eles foram ignorados. Quando perguntaram ao ex-CEO da Exxon, Lee Raymond, o que lhe causava insônia, ele simplesmente respondeu: “estoques em baixa”. Os acionistas da empresa haviam exigido que ele parasse de investir. Em 2020, sob a pressão de ativistas climáticos, o JPMorgan Chase, o maior banco de investimentos dos EUA, removeu Raymond de sua função de diretor do conselho da empresa.

“Hoje, o investimento em combustíveis fosseis passou a ser criminalizado, e o financiamento está cada vez mais esparso, com os grandes bancos ocidentais se retirando da atividade”, relata o Financial Times. “Devido ao grande período de tempo entre o investimento e o surgimento da oferta, ainda estamos para vivenciar o verdadeiro impacto desta redução na produção  convencional de petróleo e gás. Em outras palavras, a oferta continuará aquém da demanda pelos próximos anos”.

Saindo espetacularmente pela culatra

O resultado deste bem-sucedido ativismo climático foi, paradoxalmente, o aumento no uso do carvão e das emissões de carbono (a eletricidade produzida pelo gás natural gera metade das emissões da produzida por carvão).

China, Índia, EUA, Leste Asiático e Europa — todos estão minerando e queimando mais carvão para suprir a escassez de gás natural (vide a evolução dos preços do carvão na figura 3).

O governo da China recentemente revogou todas as considerações ambientais para a exploração de carvão, ordenou que a produção fosse acelerada ao máximo possível, e impôs blecautes rotineiros devido à escassez de energia.

Especialistas sempre alertaram que o ativismo climático contra o gás natural geraria o efeito contrário. Oito anos atrás, o ativista Michael Shellenberger defendeu o fracking, argumentando que isso faria com que o gás natural se tornasse mais barato que o carvão. E foi realmente o que ocorreu nos anos seguintes. Porém, com o tempo, fracking voltou a ser criminalizado. Essa redução da exploração, ao tornar o gás mais caro, diminuiu a possibilidade se abandonar o carvão.

Ambientalistas também argumentam que petróleo barato aumenta seu uso. Só que o uso de petróleo é extremamente inelástico, dado que automóveis, caminhões e aviões dependem dele. Por outro lado, pouco óleo é utilizado para a produção de eletricidade, de modo que o gás natural é necessário para compensar a intermitência de luz solar e vento.

A prova está nos dados. A fatia dos combustíveis fosseis na produção de energia global se mantém inalterada em 84% desde 1980. Considerando que as emissões na Europa e nos EUA declinaram neste período, isso deve majoritariamente à transição do carvão para o gás natural.

O masoquismo ocidental

Se as coisas estão ruins na Ásia, na Europa, a situação beira o masoquismo.

Com o inverno se aproximando, sem carvão e sem energia éolica (como dito acima, não ventou no continente), o continente está totalmente dependente da Rússia. Mais especificamente, de Vladimir Putin.

A Rússia oferta metade do gás natural consumido pelo continente, o qual aquece casas e é a força-motriz da indústria. Embora Moscou esteja cumprindo seus contratos de longo prazo, o The Wall Street Journal relata que Putin está se recusando a vender gás pelo preço vigente no mercado spot, cobrando mais caro.

Ainda segundo o jornal, outros oficiais do Kremlin fazem chantagem explícita: se os governos europeu aprovarem o marco regulatório do gasoduto Nord Stream 2, que vai da Rússia à Europa, a oferta de gás será mais abundante. Moscou tem duplo interesse no gasoduto: de um lado, ele irá aprofundar a dependência energética da Europa em relação à Rússia; de outro, o gasoduto irá privar a Ucrânia (cujo governo é inimigo de Moscou) de continuar coletando tarifas sobre o gás que circula nos atuais gasodutos.

O Reino Unido e a União Europeia prometeram zerar suas emissões até 2050. Para isso, fecharam todas as suas minas de carvão e despejaram bilhões em projetos de energia solar e éolica. A Alemanha e vários outros países europeus praticamente baniram o fracking.

Isso transformou os líderes europeus no equivalente a exploradores navais do século XVI, rezando por ventos e clima favoráveis, uma vez que, no continente, os preços da energia dependem inteiramente da quantidade de nuvens e das condições do vento.

A Alemanha também se deu mal quando a chanceler Angela Merkel decidiu abolir toda a energia nuclear do país em uma reação exagerada ao acidente de Fukushima, em 2011. A última estação nuclear do país será desativada ano que vem. A Comissão Europeia está agora debatendo se deve ou não classificar a energia nuclear como energia sustentável, o que poderia reduzir os custos de financiamento para projetos nucleares. Mas a Alemanha é contra.

Essa propensão da Europa a se auto-imolar em nome de metas climáticas inalcançáveis — e, consequentemente, ficar totalmente à mercê de Vladimir Putin — é um dos maiores atos de auto-sabotagem da história. E, ainda assim, os líderes europeus irão se encontrar na Conferência Climática de Glasgow, em novembro, para aumentar seu masoquismo energético.

Já o presidente americano Joe Biden parece ansioso para não ficar atrás dos seus congêneres europeus. Seguindo pressões dos ambientalistas, Biden já revogou a licença para a construção do Gasoduto Keystone, que seria construído entre Alberta, no Canadá, e as refinarias do estado americano de Nebraska (de onde ele seria conectado à rede já existente de oleodutos nos EUA, chegando às refinarias do sul do Texas) e também vetou novos projetos de fracking no Alasca e em todas as terras federais do país.

Como resultado, os EUA voltaram a ficar dependentes energeticamente de outros país.

“O presidente Biden efetivamente aceitou a ideia de que os EUA passarão a depender mais de petróleo estrangeiro”, observa o The New York Times. “Sua administração vem pedindo à OPEC para aumentar a produção para ajudar a diminuir os preços do petróleo e da gasolina no país, ao mesmo tempo em que busca limitar o crescimento da produção de petróleo e gás no país”.

Aumentar a dependência dos EUA em relação ao petróleo dos estrangeiros é uma medida que deixa até mesmo o The New York Times — que sempre defendeu a redução de investimentos em petróleo e gás — nervoso. O jornal recentemente alertou que “EUA e Europa podem se tornar mais vulneráveis às turbulências políticas daqueles países e aos caprichos de seus governantes”.

Para concluir

O masoquismo energético do Ocidente beira o inacreditável. Um movimento ambientalista radicalizado em conluio com políticos sem visão fez com que investir em prospecção e refino de petróleo se tornasse uma atividade extremamente arriscada do ponto de vista financeiro. Nenhuma empresa fará investimento de longo prazo — imobilizado capital e recursos escassos — em um atividade que está cada vez mais criminalizada e que, dependendo do governo, pode até vir a ser proibida.

Sendo assim, a realidade será de cada vez menos oferta de combustíveis fosseis e preços cada vez maiores.

Trata-se de um desastre auto-induzido, que foi gestado cuidadosamente. Putin deve estar maravilhado com sua sorte estratégica.

 

Fonte: Mises Brasil

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