O empreendedorismo não é “destruição criativa”, mas sim produção criativa

Havia uma doutrina sobre destruição criativa no século XIX. O rival de Karl Marx, o anarco-comunistaMichael Bakunin, era o grande propagandista. Ele era um revolucionário. De um lado, ele via a violência operária contra o estado como algo produtivo. De outro, ele também era hostil ao livre mercado. Bakunin era tão hostil ao livre mercado quanto ao estado.

Ele jamais descreveu como uma economia baseada na divisão do trabalho poderia funcionar sem o processo de mercado — e seu livre sistema de preços — para guiar a alocação racional dos recursos. E ele também jamais descreveu como essa mesma economia sem mercado funcionaria sem o planejamento central feito por burocratas estatais.

Ele simplesmente defendia uma ideia impraticável, sem jamais se dar ao trabalho de explicar — mesmo que minimamente — como ela funcionaria. Marx também nunca o fez. Ele jamais descreveu como funcionaria sua supostamente inevitável ordem social suprema, o comunismo. Ambos eram apenas revolucionários sem idéias.

A frase “destruição criativa” foi popularizada pelo economista Joseph Schumpeter. Schumpeter era austríaco, mas não era membro da Escola Austríaca de pensamento econômico. Ele foi contemporâneo de Ludwig von Mises. Ambos estudaram economia na Universidade de Viena.

Schumpeter descreveu o empreendedor em uma sociedade capitalista como sendo uma força criativa na sociedade. Não havia nada de novo nesta constatação. Os economistas seguidores da Escola Austríaca há muito já haviam descrito o empreendedor nestes termos, inclusive Mises.

Mas Schumpeter acrescentou a palavra “destruição” para descrever o empreendedorismo. Erro fatal. Analiticamente, o cerne do empreendedorismo não é a destruição; é a satisfação do consumidor.

O verbete da Wikipédia sobre “Destruição Criativa” diz:

A destruição criativa (em alemão: schöpferische Zerstörung), também conhecida como “a onda de Schumpeter”, é um conceito econômico que, desde a década de 1950, passou a ser prontamente identificado com o economista austro-americano Joseph Schumpeter, que derivou o termo da obra de Karl Marx e o popularizou como uma teoria para a inovação econômica e para os ciclos econômicos.

Marx entendeu tudo errado. Bakunin também. Schumpeter também.

 

Compre a preços baixos, venda a preços maiores

Um empreendedor de sucesso é aquele que compra barato e vende caro. Mas como ele consegue fazer isso se, segundo a teoria neoclássica, o livre mercado sempre estipula corretamente os preços dos fatores de produção e dos bens de consumo? Como é que ele encontra essa brecha? Para que ele consiga comprar barato e vender caro, a precificação dos recursos teria de estar errada.

A resposta para isso é simples, mas só é compreendida por quem é seguidor da Escola Austríaca de Economia. O sistema de livre mercado e de livre concorrência de fato revela quais recursos específicos estão erroneamente precificados. Mas quem realmente faz esse serviço crucial são os empreendedores.

Economistas seguidores da Escola Austríaca começam com esta pressuposição: as pessoas não são oniscientes. Elas não reconhecem de imediato quais recursos estão erroneamente precificados. Sempre há ignorância e desconhecimento no mercado. Por isso, os economistas austríacos enfatizam que a teoria econômica, para ser realista, tem de apresentar um conceito de precificação de mercado que seja baseado em informações incompletas e incorretas.

Portanto, sempre há recursos subvalorizados (baratos) e sobrevalorizados (caros) no mercado. O livre mercado consegue reduzir o número de recursos subvalorizados criando dois arranjos lucrativos. O primeiro é o mercado de capitais. Empreendedores podem comprar fatores de produção (mão-de-obra, matéria-prima, espaço de fábrica, máquinas e ferramentas especializadas, e espaço de armazenamento), misturá-los, produzir bens de consumo, e colocar esses bens a venda para os consumidores.

Se os consumidores comprarem esses bens de consumo a um preço maior que o custo de produção, então o empreendedor terá um lucro. Caso os consumidores não comprem, ele terá um prejuízo.

Isso advém de uma fundamental incerteza que permeia os assuntos humanos. Não conhecemos o futuro. Não somos capaz de prevê-lo. Mas há algumas pessoas — os empreendedores — que acreditam ser capazes de prevê-lo com mais precisão do que seus concorrentes. Eles arcam com os custos da incerteza ao comprarem recursos e produzirem produtos para a venda. Essa incerteza é inevitável. É impossível escapar dela. Ela é imposta pela condição humana. As pessoas não são oniscientes.

Ludwig von Mises, como sempre, foi quem melhor resumiu o arranjo. Vale a pena ler a citação completa:

O que possibilita o surgimento do lucro é a ação empreendedorial em um ambiente de incerteza. Um empreendedor, por natureza, tem de estar sempre estimando quais serão os preços futuros dos bens e serviços por ele produzidos.

 

Os especuladores e o mercado de futuros

Há uma outra abordagem institucional, que está analiticamente relacionada ao que foi acima explicado. Trata-se do especulador que opera no mercado futuro de commodities.

Neste arranjo, o empreendedor, agora chamado de “especulador do mercado de futuros”, entra em um mercado que lida com uma commodity específica. Pode ser milho, soja, café, laranja, trigo etc. Pode ser também dólar ou ouro.

Se ele acredita que estes bens estão hoje subvalorizados, ele fica “comprado”, isto é, ele se posiciona esperando uma valorização futura destes produtos. Consequentemente, ele promete que, em uma data futura específica, irá comprar a um preço estipulado hoje, uma quantidade específica deste produto. Caso sua previsão esteja correta — isto é, caso os preços realmente sejam maiores no futuro —, ele terá grandes lucros. Ele comprará ao preço antigo acordado (baixo) e depois poderá revender ao atual preço vigente (alto). Caso sua previsão se revele incorreta, ele terá prejuízos.

Por outro lado, se ele acredita que estes bens estão hoje sobrevalorizados, ele ficará “vendido”. Consequentemente, ele promete que, em uma data futura específica, irá vender a um preço estipulado hoje, uma quantidade específica deste produto. Caso sua previsão esteja correta — isto é, caso os preços realmente sejam menores no futuro —, ele terá grandes lucros. Ele irá vender ao preço antigo acordado (alto) algo que ele pode comprar ao preço vigente no futuro (baixo). Caso sua previsão se revele incorreta, ele terá prejuízos.

No mercado de futuros, “vendidos” e “comprados” fazem contratos uns com os outros. Para que haja um vendido tem necessariamente de haver um comprado. E vice-versa. Este é um processo de soma zero. O ganhador ganha à custa do perdedor. Mas esse arranjo não é um jogo. Especuladores no mercado de futuros estão lidando com problemas do mundo real relacionados à incerteza: o desconhecido futuro econômico. Eles não estão em um jogo de chances estatísticas criado e manipulado pelo proprietário do cassino para ficar rico.

O mercado de futuros é um arranjo voluntário que promove a descoberta de preços, algo que acaba por beneficiar centenas de milhões de outros empreendedores e participantes do mercado. E, no entanto, esses outros empreendedores e participantes do mercado não pagam por esse processo de descoberta de preços. Eles são “caroneiros” no mercado de futuros. Os especuladores — os comprados e vendidos — é que arcam com todo o processo.

Não há nada de destrutivo neste arranjo, ao contrário do que dizem os críticos dos especuladores e críticos do mercado. O mercado de futuros é uma das grandes instituições da vida moderna. Um punhado de ganhadores e perdedores coloca seu dinheiro em risco. Nós não pagamos nada a eles por efetuarem este crucial serviço social: a descoberta de preços.

Ganhadores e perdedores

Em um empreendimento qualquer, o empreendedor compra recursos escassos — mão-de-obra, matéria-prima, espaço de fábrica, máquinas e ferramentas especializadas, e espaço de armazenamento — para fabricar bens de consumo. Ele acredita que, no futuro, os consumidores irão pagar mais por esses bens do que seu custo de produção. Ainda mais importante: ele acredita que isso ocorrerá em uma intensidade maior do que acreditam seus concorrentes.

De novo: ele espera comprar esses recursos escassos a preços menores do que aqueles que os consumidores estarão dispostos a pagar no futuro pelo bem de consumo final. Como isso é possível? É possível porque seus concorrentes não viram essa mesma oportunidade. Consequentemente, eles não foram atrás desses mesmos recursos e, logo, não elevaram os preços deles com sua demanda.

O empreendedor compra recursos. Isso ajuda todos os produtores desses recursos, que os vendem para o empreendedor a um preço livremente acordado no mercado. Se isso não fosse bom para esses produtores, eles não venderiam seus recursos. Essa atitude do empreendedor também ajuda os consumidores. Caso ele não fizesse esse empreendimento, ninguém mais o teria feito. Nenhum concorrente viu a oportunidade. Consequentemente, o empreendedor foi capaz de criar um elo entre os produtores dos recursos e os consumidores finais dispostos a pagar pelos bens de consumo produzidos por esses recursos.

Agora vem a pergunta derradeira: por que isso seria destrutivo? Onde está a destruição? Não é destrutivo para os vendedores e compradores de recursos. Não é destrutivo para o consumidor final. É destrutivo apenas para aqueles empreendedores rivais que não viram essa oportunidade. Eles agora vêem uma fatia de mercado tirada deles por um concorrente. Esse concorrente começará a ter lucros. Se ele continuar tendo lucros — isto é, se os concorrentes não o imitarem —, os concorrentes continuarão perdendo mais fatia de mercado. “Isso é destrutivo!”, eles gritarão. Para eles, é mesmo. Mas o livre mercado não existe para ajudar maus prognosticadores. O livre mercado existe para ajudar consumidores a conseguir barganhas.

Schumpeter apenas reverberou as lamúrias dos empreendedores ineficientes que não foram capazes de atender as demandas dos consumidores. Ele rotulou esse processo de destrutivo. Não é destrutivo do ponto de vista dos vendedores de recursos. Não é destrutivo para os consumidores. É destrutivo apenas para os perdedores incapazes de atender aos consumidores por terem sido incapazes de saber comprar dos produtores de recursos. Estes perdedores não ajudaram nem os consumidores e nem os produtores.

O processo efetuado pelo livre mercado — de criar um elo entre vendedores de recursos e compradores de produtos — não deveria ser rotulado de “destruição criativa”. Deveria ser chamado de produção criativa. Um empreendedor de sucesso vai até seus clientes e faz a eles uma oferta: “Compre de mim, e não dos meus concorrentes. Vou lhe fazer uma ótima oferta”. Ele pode fazer uma ótima oferta porque ele comprou fatores de produção a preços menores que seus rivais.

Schumpeter pegou emprestado o conceito de “destruição criativa” de um par de revolucionários, Bakunin e Marx. Ambos pregavam filosofias sociais que, embora rivais entre si, se baseavam no homicídio — literalmente, e não figurativamente.

E Schumpeter se mostrou impressionado por esse conceito dos dois revolucionários. Felix Somary relata em sua autobiografia, The Raven of Zurich (1986), uma discussão que ele teve com o economista Schumpeter e com o sociólogo Max Weber em 1918. Weber era o mais prestigioso cientista social acadêmico do mundo quando morreu em 1920. Naquela ocasião, Schumpeter havia expressado alegria em relação à Revolução Russa. A URSS seria o primeiro exemplo prático de socialismo. Weber alertou que o experimento geraria uma miséria incalculável. Schumpeter retrucou dizendo que “Pode ser que sim, mas seria um bom laboratório.” E Weber respondeu: “Um laboratório entulhado de cadáveres humanos!”. E Schumpeter retrucou: “Exatamente igual a qualquer sala de aula de anatomia”. Weber saiu extremamente irritado da sala (p. 121). Não o culpo.

Conclusão

Já é hora de os defensores do livre mercado abandonarem o conceito schumpeteriano de que o livre mercado gera destruição criativa. O conceito está errado teoricamente. Pior ainda: em termos estratégicos, é um enorme passivo.

O processo de mercado é destrutivo apenas para aqueles empreendedores que fizeram estimativas erradas e fracassaram em satisfazer os consumidores. Ele é criativo para todo o resto.

Fonte: Mises Brasil

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